sábado, dezembro 29, 2007



Caminhante, são tuas pegadas
o caminho, e nada mais;
caminhante, não há caminho,
faz-se caminho ao andar.
Ao andar se faz o caminho,
e ao voltar o olhar para trás
vê-se a estrada que nunca
se há de tornar a pisar.
Caminhante, não há caminho,
apenas trilhas sobre o mar.

António Machado

terça-feira, dezembro 18, 2007



Quando estamos cansados
Deitamos o corpo
E adormecemos
Às vezes não
Procuramos outra mão
Outros olhos
Que nos limpem a fadiga
E evitem o sono
Que nos vem antigo
Quando estamos cansados
Podemos erguer o corpo
E acordar
E morrer acordados
Sem cansaço

Mário Henrique Leiria, Esclarecimento
Novos Contos do Gin

Um natal solidário e um ano novo mais feliz.

sexta-feira, dezembro 14, 2007



De correr mundo as terras e os humanos
como paisagem que ante os olhos passa,
e às vezes percorrer umas e outros
nos breves intervalos entre duas viagens,
uma incerteza deixa que é diversa
da que se aprende no convívio longo:
quem se demora vê, sob as fachadas
ou as perspectivas de alta torre feitas
um gesto em que se mostra uma outra vida,
ou troca frases que desnudam crua
o que de interno ser sob as fachadas vive;
mas quem só passa e mal aos outros toca
com mais que olhares ou fugidias vozes,
mais adivinha o que não é paisagem
mas dia a dia tão diverso dela
ou pelo menos para além ansioso.
Mas, se num caso a vida se conhece
e noutro caso nos conhece a nós,
por ambos aprendemos que do mundo
se vive o que não passa, ou se não vive
o que passando é só terras e gentes -
-o conhecer, porém, não se conhece nunca.
Apenas resta a escolha: como descobrir
essa experiência inútil. Antes, pois,
correr do mundo as terras e os humanos
que consumir-se alguém ao lado deles sempre.

Jorge de Sena, De correr mundo
in Visão Perpétua
SB 3/10/1972

quarta-feira, dezembro 12, 2007



Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.

E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía.

Luís de Camões, Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades

A mudança não apagou da memória a
Troia da minha infãncia...

terça-feira, dezembro 04, 2007



Encantei-me com as nuvens, como se fossem calmas
locuções de um pensamento aberto. No vazio de tudo
eram frontes do universo deslumbrantes.
Em silêncio via-as deslizar num gozo obscuro
e luminoso, tão suave na visão que se dilata.

Que clamor, que clamores mas em silêncio
na brancura unânime! Um sopro do desejo
que repousa no seio do movimento, que modela
as formas amorosas, os cavalos, os barcos
com as cabeças e as proas na luz que é toda sonho.

Unificado olho as nuvens no seu suave dinamismo.
Sou mais que um corpo, sou um corpo que se eleva
ao espaço inteiro, à luz ilimitada.
No gozo de ver num sono transparente
navego em centro aberto, o olhar e o sonho.

António Ramos Rosa, Volante Verde - 1986
in Antologia Poética
Selecção de Ana Paula Coutinho Mendes

terça-feira, novembro 27, 2007



Um rio de escondidas luzes
atravessa a invenção da voz:
avança lentamente
mas de repente
irrompe fulminante
saindo-nos da boca

No espantoso momento
do agora da fala
é uma torrente enorme
um mar que se abre
na nossa garganta

Nesse rio
as palavras sobrevoam
as abruptas margens do sentido

Ana Hatherly, Um rio de luzes

O Pavão Negro
Assírio & Alvim
2003

quinta-feira, novembro 15, 2007



Pelo sonho é que vamos,
comovidos e mudos.
Chegamos? Não chegamos?
Haja ou não haja frutos,
pelo sonho é que vamos.
Basta a fé no que temos.
Basta a esperança naquilo
que talvez não teremos.
Basta que a alma demos,
com a mesma alegria,
ao que desconhecemos
e ao que é do dia a dia.
Chegamos? Não chegamos?
- Partimos. Vamos. Somos.

Sebastião da Gama, Pelo sonho é que vamos

terça-feira, novembro 13, 2007



O que sempre me fascinou na cidade do Porto,
foi o encontro perfeito entre o passado e o futuro.
Lá o presente é intemporal.
E temos saudades de voltar um dia.
Saudades do Porto futuro.

DV

Foto de Sérgio Jacques, cais, Obra d'Ouro.
http://obradouro.blogspot.com/


...Estou num daqueles dias em que nunca tive futuro. Há só um presente imóvel com um muro de angústia em torno. A margem de lá do rio nunca, enquanto é a de lá, é a de cá; e é esta a razão íntima de todo o meu sofrimento. Há barcos para muitos portos, mas nenhum para a vida não doer, nem há desembarque onde se esqueca...

... De que cor será sentir? ...

Fernando Pessoa, Carta a Mário de Sá-Carneiro, Livro do Desassossego.

Foto de Sérgio Jacques, estuário do Sado.

quarta-feira, novembro 07, 2007



O que é o espaço
senão o intervalo
por onde
o pensamento desliza
imaginando imagens?
O biombo ritual da invenção
oculta o espaço intermédio
o interstício
onde a percepção se refracta
Pelas imagens
entramos em diálogo
com o indizível

Ana Hatherly, O que é o espaço?
O Pavão Negro
Assírio & Alvim
2003

segunda-feira, outubro 29, 2007



O blogues são um espelho do nosso estado de alma, um confessionário de verdades absolutas e incontornáveis ou de questões complexas e insolúveis. Para mim servem para registo de memórias, as minhas e as dos outros. Não sou um bloguista esforçado, escrevo quando me apetece. Tenho opiniões sobre quase tudo, mas a noção de que valem o que valem. Por isso sou parco em palavras , até porque há sempre quem escreveu exactamente o que quiz dizer, ou fotografou o que os meus olhos fixaram. Assim surgem imagens e palavras, ora minhas, ora de outros. Simples, como a vida.
DV

domingo, outubro 21, 2007


DESCULPEM A INTERRUPÇÃO,
O BLOG SEGUE DENTRO DE MOMENTOS.

Não, não caí da janela.
Estou de viagem pela minha infãncia.
Até já

quinta-feira, outubro 04, 2007














Esperar ou vir esperar querer ou vir querer-te
vou perdendo a noção desta subtileza.
Aqui chegado até eu venho ver se me apareço
e o fato com que virei preocupa-me, pois chove miudinho

Muita vez vim esperar-te e não houve chegada
De outras, esperei-me eu e não apareci
embora bem procurado entre os mais que passavam.
Se algum de nós vier hoje é já bastante
como comboio e como subtileza
Que dê o nome e espere. Talvez apareça

Mário Cesariny
, Estação

sexta-feira, setembro 28, 2007











Quem construiu Tebas de sete portas?

Nos livros estão os nomes dos reis.
Foram os reis que arrastaram os blocos de pedra?
E as várias vezes destruída Babilónia
Quem é que tantas vezes a reconstruiu?
Em que casas da Lima fulgentede oiro moraram os construtores?
Para onde foram os pedreiros na noite em que ficou prontaa Mu­ralha da China?
A grande Romaestá cheia de arcos de triunfo.
Quem os levantou?
Sobre quem triunfaram os césares?
Tinha a tão cantada Bizâncio
Só palácios para os seus habitantes?
Mesmo na lendária AtlântidaNa noite em que o mar a engoliu bramavam osafogados pelos seus escravos.
O jovem Alexandre conquistou a Índia.
Ele sozinho?César bateu os Gálios.
Não teria consigo um cozinheiro ao menos?
Filipe da Espanha chorou, quando a armada se afundou.
Não chorou mais ninguém?
Frederico II venceu na Guerra dos Sete Anos
Quem venceu além dele?
Cada página uma vitória.
Quem cozinhou o banquete da vitória?
Cada dez anos um Grande Homem.
Quem pagou as despesas?
Tantos relatos
Tantas perguntas.


Bertolt Brecht, Quem construiu Tebas de sete portas?

(Tradução de Paulo Quintela)

quarta-feira, setembro 19, 2007



Nem todos os rios respeitam as suas margens.
O "Rio Azul" do meu amigo Manuel Bola é um desses. Insatisfeito e rebelde, como qualquer rio devia ser.
Sigam o seu curso.
http://www.manelbola.blogspot.com/

terça-feira, setembro 11, 2007


















Não sei se respondo ou se pergunto.
Sou uma voz que nasceu na penumbra do vazio.

Estou um pouco ébria e estou crescendo numa pedra.
Não tenho a sabedoria do mel ou a do vinho.
De súbito, ergo-me como uma torre de sombra fulgurante.
A minha tristeza é a da sede e a da chama.
Com esta pequena centelha quero incendiar o silêncio.
O que eu amo não sei. Amo. Amo em total abandono.
Sinto a minha boca dentro das árvores e de uma oculta nascente.
Indecisa e ardente, algo ainda não é flor em mim.
Não estou perdida, estou entre o vento e o olvido.
Quero conhecer a minha nudez e ser o azul da presença.
Não sou a destruição cega nem a esperança impossível.
Sou alguém que espera ser aberto por uma palavra.

António Ramos Rosa , Uma voz na pedra

segunda-feira, setembro 03, 2007














Dois amantes felizes não têm fim nem morte,
nascem e morrem tanta vez enquanto vivem,
são eternos como é a natureza.

Pablo Neruda

quinta-feira, agosto 30, 2007


















Passa uma borboleta por diante de mim
E pela primeira vez no Universo eu reparo
Que as borboletas não têm cor nem movimento,
Assim como as flores não têm perfume nem cor.
A cor é que tem cor nas asas da borboleta,
No movimento da borboleta o movimento é que se move,
O perfume é que tem perfume no perfume da flor.
A borboleta é apenas borboleta
E a flor é apenas flor.

07.05.1914
Alberto Caeiro, O Guardador de Rebanhos

sexta-feira, agosto 17, 2007














Se perguntarem: das artes do mundo?
Das artes do mundo escolho a de ver cometas
despenharem-se
nas grandes massas de água: depois, as brasas pelos recantos,
charcos entre elas.
Quero na escuridão revolvida pelas luzes
ganhar baptismo, ofício.
Queimado nas orlas de fogo das poças.
O meu nome é esse.
E os dias atravessam as noites até aos outros dias, as noites
caem dentro dos dias - e eu estudo
astros desmoronados, mananciais, o segredo.

Herberto Helder, Se perguntarem: das artes do mundo?

terça-feira, julho 31, 2007














O cinema perdeu dois realizadores que serão perpetuados como autores das mais belas imagens da sétima arte. Ao ver algumas das suas obras, tornei-me mais exigente e por isso, melhor espectador. Obrigado Antonioni, obrigado Bergman.

segunda-feira, julho 30, 2007














Os livros são como os amigos, visitam-se sempre que se quer. Estas serão as minhas próximas visitas. BOAS FÉRIAS

terça-feira, julho 24, 2007














Passei os meus primeiros dias de férias no Vale das Almas, a caminho da Ilha de Faro. Aqui convergem, unidos pelo espírito motard, desde há 26 anos, gentes de muitas nacionalidades. A amizade não conhece fronteiras na Concentração Motard de Faro. Entre tantas conversas questionei um grupo de "nuestros hermanos" sobre a "futura" IBÉRIA de Saramago. A resposta pronta com um largo sorriso, tranquilizou-me.
Hablemos de motos.
Entonces hablemos, respondi eu.
E nunca mais me lembrei de tal coisa.

terça-feira, julho 17, 2007

A Península Ibérica é uma península da Europa localizada no sudoeste deste continente. É ocupada por três estados, Portugal, Espanha e Andorra, e um território britânico, Gibraltar. Durante a época dos descobrimentos tornou-se a principal potência mundial, devido à supremacia de Portugal e Espanha em relação aos outros territórios...

Wikipédia


Portugal até quando?














A IBÉRIA de Saramago...

segunda-feira, julho 16, 2007


















Aparelhei o barco da ilusão
E reforcei a fé de marinheiro.
Era longe o meu sonho, e traiçoeiro
O mar...
( Só nos é concedida
Esta vida
Que temos;
E é nela que é preciso
Procurar
O velho paraíso
Que perdemos).

Prestes, larguei a vela
E disse adeus ao cais, à paz tolhida.
Desmedida,
A revolta imensidão
Transforma dia a dia a embarcação
Numa errante e alada sepultura...
Mas corto as ondas sem desanimar.
Em qualquer aventura.
O que importa é partir, não é chegar.

Miguel Torga,Viagem

terça-feira, julho 10, 2007














O Carteiro de Pablo Neruda
pela Companhia de Teatro de Almada

Joaquim Benite Cavaleiro da Ordem das Artes e Letras

O teatro sempre foi um dos parentes pobres da cultura no nosso país. Por isso não quero deixar de assinalar o prémio atribuído pelo governo francês ao encenador e amigo Joaquim Benite . Um reconhecimento internacional que prestigia a sua carreira e o teatro em Portugal. Parabéns

DV

domingo, julho 08, 2007





Amo devagar os amigos que são tristes com cinco dedos de cada lado.
Os amigos que enlouquecem e estão sentados, fechando os olhos,
com os livros atrás a arder para toda a eternidade.
Não os chamo, e eles voltam-se profundamente
dentro do fogo.
-Temos um talento doloroso e obscuro.
construímos um lugar de silêncio.
De paixão.

Herberto Helder, Aos amigos

segunda-feira, julho 02, 2007














A tarde trabalhava
sem rumor
no âmbito feliz das suas nuvens,
conjugava
cintilações e frémitos,
rimava
as ténues vibrações
do mundo,
quando vi
o poema organizado nas alturas
reflectir-se aqui,
em ritmos, desenhos, estruturas
duma sintaxe que produz
coisas aéreas como o vento e a luz.

Carlos de Oliveira, Tarde

domingo, julho 01, 2007


















As nuvens que andam no ar
Arrastadas pelo vento
Foram buscar água ao mar
Pra regar em todo o tempo.

Pra regar em todo o tempo
Em todo o tempo regar,
Arrastadas pelo vento
As nuvens que andam no ar.

Lídia Jorge, Nuvens.

terça-feira, junho 26, 2007














O meu olhar azul como o céu
É calmo como a água ao sol.
É assim, azul e calmo,
Porque não interroga nem se espanta ...
Se eu interrogasse e me espantasse
Não nasciam flores novas nos prados
Nem mudaria qualquer cousa no sol de modo a ele ficar mais belo...
(Mesmo se nascessem flores novas no prado
E se o sol mudasse para mais belo,
Eu sentiria menos flores no prado
E achava mais feio o sol ...
Porque tudo é como é e assim é que é,
E eu aceito, e nem agradeço,
Para não parecer que penso nisso...)

Alberto Caiero, O Guardador de Rebanhos

terça-feira, junho 19, 2007
















Cão

Cão passageiro, cão estrito
Cão rasteiro cor de luva amarela,
Apara lápis, fraldiqueiro,
Cão liquefeito, cão estafado
Cão de gravata pendente,
Cão de orelhas engomadas,
de remexido rabo ausente,
Cão ululante, cão coruscante,
Cão magro, tétrico, maldito,
a desfazer-se num ganido,
a refazer-se num latido,
cão disparado: cão aqui,
cão ali, e sempre cão.
Cão marrado, preso a um fio de cheiro,
cão a esburgar o osso
essencial do dia a dia,
cão estouvado de alegria,
cão formal de poesia,
cão-soneto de ão-ão bem martelado,
cão moido de pancada
e condoído do dono,
cão: esfera do sono,
cão de pura invenção,
cão pré fabricado,
cão espelho, cão cinzeiro, cão botija,
cão de olhos que afligem,
cão problema...
Sai depressa, ó cão, deste poema!

Alexandre O'Neill, Abandono Vigiado

domingo, junho 17, 2007


















Aqui, diante de mim,
eu, pecador, me confesso
de ser assim como sou.
Me confesso o bom e o mau
que vão ao leme da nau
nesta deriva em que vou.

Me confesso
possesso
de virtudes teologais,
que são três,

e dos pecados mortais,
que são sete,
quando a terra não repete
que são mais.

Me confesso
o dono das minhas horas.
O das facadas cegas e raivosas,
e o das ternuras lúcidas e mansas.
E de ser de qualquer modo
andanças
do mesmo todo.

Me confesso de ser charco
e luar de charco, à mistura.
De ser a corda do arco
que atira setas acima
e abaixo da minha altura.

Me confesso de ser tudo
que possa nascer em mim.
De ter raízes no chão
desta minha condição.
Me confesso de Abel e de Caim.

Me confesso de ser Homem.
De ser o anjo caído
do tal céu que Deus governa;
De ser o monstro saído
do buraco mais fundo da caverna.

Me confesso de ser eu.
Eu, tal e qual como vim
para dizer que sou eu
aqui, diante de mim!

Miguel Torga, Livro de Horas

terça-feira, junho 12, 2007














O mar deixou o Alentejo
onde trouxe canções de oiro
mas volta a matar saudades
nas ondas do trigo loiro.

Se fores ao Alentejo,
vai vai vai vai vai.
Não te esqueças, dá-lhe um beijo,
ai ai ai ai.

Nas capelas e nos montes
há sorrisos de brancura
onde fala a voz de Deus
na voz da cal e da alvura.

Sobe o sol e abrasa a terra
a fecundar as espigas
à sombra das azinheiras
na dolência das cantigas.

Por lonjuras e planuras,
oh solidão, solidão,
eu quero paz no trabalho
p'ra poder ganhar o pão.

Popular do Alentejo, Se Fores ao Alentejo

sábado, junho 09, 2007













Beira Alta, fotografia de Sérgio Jacques

Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver no Universo...
Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer
Porque eu sou do tamanho do que vejo
E não do tamanho da minha altura...

Alberto Caeiro, O Guardador de Rebanhos

terça-feira, junho 05, 2007


















Não podemos falar de Aveiro e das suas gentes, sem referirmos o vulto do pensamento democrático e resistente antifascista, médico, crítico e ensaísta, Mário Sacramento.

Nasceu em Ílhavo em 1920, tendo cursado medicina na Universidade de Coimbra. Pelo exercício da sua actividade profissional, desde cedo procurou Aveiro, aqui se radicando em 1957. Humanista de coração e seguindo uma linha ideológica marxista, desde cedo se afirmou como opositor à governação salazarista, advindo-lhe daí várias prisões e prejuízos sociais e económicos. Figura de militância no Partido Comunista Português, esteve sempre presente (vivo ou morto) nos Congressos de Oposição Democrática realizados em Aveiro. Morreu em 1969. Temido pela força dos seus escritos que tantas vezes foram de difícil publicação pela acção controladora da PIDE, ainda assim deixou importantes contributos literários que, em grande parte, só viram a luz do dia após a sua morte. Desses contributos salientam-se: Na ante- câmara de Eça de Queirós (1943); Fernando Pessoa - poeta da hora absurda (1953); Fernando Namora - o Homem e a obra (1967); Há uma estética Neo-realista? (1968); Carta Testamento (1973); Diário (1975); Palavras de Mário Sacramento (1984)(...)

Serviços de documentação da Universidade de Aveiro

Este é parte do conteúdo da sua carta-testamento, cujas palavras definem bem o seu enorme carácter.

(...)Nasci e vivi num mundo de inferno. Há dezenas de anos que sofro, na minha carne e no meu espírito, o fascismo. Recebi dele perseguições de toda a ordem — físicas, económicas, profissionais, intelectuais, morais.

Mas, que não as tivesse sofrido, o meu dever era combatê-lo. O fascismo é o fim da pré-história do homem. E procede, por isso, como um gangster encurralado. Fiz o que pude para me libertar, e aos outros, dele. É essa a única herança que deixo aos meus Filhos e aos meus Companheiros. Acabem a obra! Derrubem o fascismo, se nós não o pudermos fazer antes! Instaurem uma sociedade humana! Promovam o socialismo, mas promovam-no cientificamente, sem dogmatismos sectários, sem radicalismos pequeno-burgueses! Aprendam com os erros do passado. E lembrem-se de que nós, os mortos, iremos, nisso, ao vosso lado!

Não veremos o que quisemos, mas quisemos o que vimos. E este querer é um imperativo histórico. Há milhões de mortos a dizer-vos: avante!(...)

Façam o mundo melhor, ouviram? Não me obriguem a voltar cá!


Mário Sacramento
, Caramulo, Pousada de S. Lourenço, 7 de Abril de 1967

















É reconfortante regressar à região que me viu nascer e perceber que os meus conterrâneos desbravam caminhos para a tornar cada vez mais bonita.
Aveiro é hoje uma cidade de tradição e futuro.

segunda-feira, maio 28, 2007













Sempre que vou ao Porto sinto-me tocado pela magia das margens do seu rio, que só as palavras do poeta são capazes de revelar.

Cidade

Meti-me por setembro fora, a caminho do fulgor das maçãs, deixando para trás os bruscos golfos da tristeza e uma luz de neve quebrada de vidraça em vidraça.
Contemplava a cidade das pontes pela última vez, envolvida por lençóis encardidos e uma névoa que subia do rio para lhe morder o coração de pedra.
Era um burgo pobre, sujo, reles até - mas gostaria tanto de lhe pôr um diadema na cabeça.

Eugéneo de Andrade, Memória doutro rio.

terça-feira, maio 22, 2007


















Mar

Mar, metade da minha alma é feita de maresia
Pois é pela mesma inquietação e nostalgia,
Que há no vasto clamor da maré cheia,
Que nunca nenhum bem me satisfez.
E é porque as tuas ondas desfeitas pela areia
Mais fortes se levantam outra vez,
Que após cada queda caminho para a vida,
Por uma nova ilusão entontecida.

E se vou dizendo aos astros o meu mal
É porque também tu revoltado e teatral
Fazes soar a tua dor pelas alturas.
E se antes de tudo odeio e fujo
O que é impuro, profano e sujo,
É só porque as tuas ondas são puras.

Sophia de Mello Breyner Andresen, Poesia I

sexta-feira, maio 18, 2007













A memória não morre...
Hoje é dia dos museus.


Maravilha-te, memória!
Lembras o que nunca foi,
E a perda daquela história
Mais que uma perda me dói.

Meus contos de fadas meus
Rasgaram-lhe a última folha...
Meus cansaços são ateus
Dos deuses da minha escolha...

Mas tu, memória, condizes
Com o que nunca existiu...
Torna-me aos dias felizes
E deixa chorar quem riu.

Fernando Pessoa, Minha Memória e Meus Dias.

quinta-feira, maio 17, 2007


















O REGRESSO DE TARTUFO

Os impostores são iguais em todo o mundo. Como um virus instalam-se e contaminam a sociedade.
O Tartufo voltou aos palcos pelas mãos do mestre João Mota, justamente para nos lembrar tal praga.
Já muito se falou sobre esta e outras obras geniais de Jean-Baptiste Poquelin (Moliére). Mas a propósito deste espectáculo que marca o 35º aniversário da Comuna, refiro a oportunidade da sua reposição no país onde, parafraseando o encenador, o 25 de Abril permitiu o aparecimento de tartufos a todos os níveis: social, económico e político.
Estejamos atentos...

sexta-feira, maio 11, 2007
















Onde está Maddie McCann’s?

Princípio 9º
Nenhuma criança deverá sofrer por negligência (maus cuidados ou falta deles) dos responsáveis ou do governo, nem por crueldade e exploração. Não será nunca objecto de tráfico (tirada dos pais e vendida e comprada por outras pessoas).
Nenhuma criança deverá trabalhar antes da idade mínima, nem deverá ser obrigada a fazer actividades que prejudiquem sua saúde, educação e desenvolvimento.

Declaração dos Direitos da Criança, Assembleia das Nações Unidas, 1959.

quarta-feira, maio 09, 2007















Artigo 5°
Ninguém será submetido a tortura nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes.
Declaração Universal dos Direitos Humanos

Guantanamo, até quando?

quinta-feira, maio 03, 2007


















Lá fora premeia-se a escrita em português. Desta vez o jornal londrino "The Independent" decidiu atribuir um importante prémio literário ao escritor José Eduardo Agualusa pela sua obra "O Vendedor de Passados". Parabéns

“Um nome pode ser uma condenação. Alguns arrastam o nomeado, como as águas lamacentas
de um rio após as grandes chuvadas, e, por mais que este resista, impõem-lhe um destino.
Outros, pelo contrário, são como máscaras: escondem, ilumem. A maioria, evidentemente,
não tem poder algum. Recordo sem prazer, sem dor também, o meu nome humano.
Não lhe sinto a falta. Não era eu.”


José Eduardo Agualusa, O Vendedor de Passados.

terça-feira, maio 01, 2007


















Maio todo o ano... quando se
vai o Maio fica a canção.

Maio maduro Maio
Quem te pintou
Quem te quebrou o encanto
Nunca te amou
Raiava o Sol já no Sul
E uma falua vinha
Lá de Istambul

Sempre depois da sesta
Chamando as flores
Era o dia da festa
Maio de amores
Era o dia de cantar
E uma falua andava
Ao longe a varar

Maio com meu amigo
Quem dera já
Sempre depois do trigo
Se cantará
Qu'importa a fúria do mar
Que a voz não te esmoreça
Vamos lutar

Numa rua comprida
El-rei pastor
Vende o soro da vida
Que mata a dor
Venham ver, Maio nasceu
Que a voz não te esmoreça
A turba rompeu

José Afonso, Maio Maduro Maio.

http://www.youtube.com/watch?v=floEANiIjII

sexta-feira, abril 27, 2007


















Os sentimentos atrasam,
as paixões atrasam,
as instituições atrasam,
está tudo a mais, nesse demais sempre a
pesar sobre a existência, ela própria uma ideia
a mais,
filósofos, sábios, médicos, padres, pouco a
pouco de mansinho e brutalmente, têm-nos
feito esta vida falsa
porque não há profundidade nas coisas,
não há além, nem mais voragem do que a que
formos capazes de lá pôr
já,
sem ideia nem entidade,
sem imanência nem instância,
nada me espera para me pedir contas,
mas eu tenho contas a pedir a alguns ignóbeis
velhos labregos da doutrina,
contas a pedir por retardarem a vida
com os seus sentimentos, paixões, instituições.(...)

Antonin Artaud, os sentimentos atrasam, 1956