domingo, novembro 26, 2006













lembra-te

Lembra-te
que todos os momentos
que nos coroaram
todas as estradas
radiosas que abrimos
irão achando sem fim
seu ansioso lugar
seu botão de florir
o horizonte
e que dessa procura
extenuante e precisa
não teremos sinal
senão o de saber
que irá por onde fomos
um para o outro
vividos

Mário Cesariny


Não vou esquecer Mário, até sempre...




















O poeta que me trouxe para a poesia nasceu há 100 anos.
As suas palavras ficaram gravadas no tempo e eu vou continuar a lê-las.

Lição sobre a água

Este líquido é água.
Quando pura
é inodora, insípida e incolor.
Reduzida a vapor,
sob tensão e a alta temperatura,
move os êmbolos das máquinas que, por isso,
se denominam máquinas de vapor.
É um bom dissolvente.
Embora com excepções mas de um modo geral,
dissolve tudo bem, ácidos, bases e sais.
Congela a zero graus centesimais
e ferve a 100, quando à pressão normal.
Foi neste líquido que numa noite cálida de Verão,
sob um luar gomoso e branco de camélia,
apareceu a boiar o cadáver de Ofélia
com um nenúfar na mão.

António Gedeão, Poesias completas

quinta-feira, novembro 02, 2006















Todos os dias morrem inocentes no Iraque, desde a fatídica invasão dos grandes senhores da guerra. Os iraquianos são, hoje, um povo profundamente dividido e ferido na sua dignidade.
Meses antes escrevi, para um semanário regional de Setúbal, um texto que se revelou um presságio do que agora se assiste naquele país. Falo da mentira institucional, que tem justificado esta e outras guerras de conveniência, a que não devemos ficar alheios.

A GRANDE MENTIRA

...vale a pena pensar se não andamos todos enganados com as verdadeiras razões que levaram os aliados a invadir o Iraque.
Os pressupostos que levaram a esta gigantesca intervenção não estarão adulterados?
Invadir um país soberano, com o objectivo de combater o terrorismo e afastar um tirano do poder instalando, a qualquer preço, a democracia, não respeita os valores mais básicos da própria democracia. A democracia não se impõe, conquista-se.
Então que valores estão em jogo? Que legitimidade há em tudo isto?
Numa guerra é o vencedor que tem razão. O mais forte tem sempre razão, no Iraque, na América e em todo o lado. A “razão” dos mais fortes silencia a dos mais fracos. É precisamente isso que me incomoda. Incomoda-me saber que os protestos contra esta barbárie, de homens, mulheres e crianças de todas as raças, credos e ideologias, são silenciados ou ignorados pelos seus governantes.
Em nome de quê e de quem?
Tenta-se explicar com as estratégias militares as chamadas “baixas aceitáveis” desta guerra e não se respeita o valor fundamental que é a própria vida. Um marine americano referiu em pleno palco de guerra que lamentava tal mortandade mas era pago para executar o seu trabalho. No sul do Iraque um colega seu afirmava, a outro repórter, que era apenas «dois pés a caminhar para o norte». Talvez tivesse mais consciência do que este conflito representa para si e para a Humanidade. Parece que ninguém está interessado nesta guerra. Só Bush parece apostado em continuar, impelido pela missão “divina” de salvar o mundo. Com a ajuda de Blair criou uma grande mentira e quer que todos participemos nela. Ninguém acredita que esta guerra acabe com o terrorismo. Poderá mesmo, extremar ainda mais os fundamentalismos. Além de tudo, como afirma Mia Couto na “Carta ao Presidente Bush” publicada no jornal Público a 27 de Março - "O Iraque não é Sadam. São 22 milhões de mães e filhos, e de homens que trabalham e sonham como fazem os comuns norte-americanos".
Os iraquianos vão pagar com milhares de vidas e milhões de dólares do seu petróleo, esta gigantesca arma de destruição maciça. O ditador será derrotado, mas não se apagará na consciência deste povo o ódio pelos que um dia invadiram a sua terra e lhes feriram a dignidade.
Vivemos na fronteira entre a verdade e a mentira e a guerra torna ainda mais difusa a sua diferença. Como num jogo viciado a batota beneficia o infractor, mas o que é preciso é vencer a todo custo.

...o dramaturgo alemão Tankred Dorst refere: (…) O Homem é imperfeito, comete enganos fatais entra em conflito com as circunstâncias, agarra-se ao poder, é fraco. Enganador e ingénuo, compraz-se na sua ignorância e está enjoado com Deus.

2003-03-30
DV