terça-feira, março 27, 2007













27 de Março 2007
DIA MUNDIAL DO TEATRO
MENSAGEM PORTUGUESA


Neste Dia Mundial do Teatro quero manifestar a minha admiração por todos aqueles que ao longo dos tempos dignificaram e fizeram desta arte e profissão um exemplo de vida, de manifestação artística e de mensagem política. Quem suportou a violência da censura de antes do 25 de Abril e recebeu a missão de comunicar e criar em liberdade, não pode ignorar a sua responsabilidade. A todos aqueles que neste momento são gente de teatro, uma palavra de amizade, de solidariedade e confiança num futuro que estamos a criar. Posso dizer que ser de teatro é ser maior, é ser diferente, é ser responsável. Vivemos numa época de preocupação com a guerra do Iraque, com a fome, com as desigualdades sociais, com a prostituição, o racismo e o flagelo da droga. Trabalhamos para um público que partilha das nossas preocupações. Tenho o maior orgulho nos meus colegas e nos meus amigos. O egoísmo de que nos acusam é resultado da paixão que temos pela nossa profissão. Um profissional vive, ri, sofre e ama profundamente o teatro.É estranho quando nos deparamos com situações que pensamos que sabemos resolver. Quanto mais sabemos, mais temos a noção de que ainda há muito para aprender. Aos mais novos, àqueles que por vezes terminam os seus cursos e depois ficam à espera de uma oportunidade, àqueles em quem eu acredito que serão o teatro do futuro, que serão os responsáveis por esta profissão maravilhosa, única. Garanto que vale a pena! O teatro não esquece aqueles que o amam e o servem sem se servirem dele. A vossa oportunidade chegará. Por último, uma palavra muito especial, um aplauso diferente para Isabel de Castro e Canto e Castro. Assim se faz o Teatro.

(escrita pelo encenador Carlos Avilez, a convite da Sociedade Portuguesa de Autores)

segunda-feira, março 19, 2007


















Não basta abrir a janela
Para ver os campos e o rio.
Não é bastante não ser cego
Para ver as árvores e as flores.
É preciso também não ter filosofia nenhuma.
Com filosofia não há árvores: há ideias apenas.
Há só cada um de nós, como uma cave.
Há só uma janela fechada, e todo o mundo lá fora;
E um sonho do que se poderia ver se a janela se abrisse,
Que nunca é o que se vê quando se abre a janela...

Alberto Caeiro, Não basta abrir a janela

sexta-feira, março 09, 2007

















"O Museu Salazar (rebaptizado Centro de Estudos sobre o Estado
Novo), que a Câmara Municipal de Santa Comba Dão pretende
desenvolver, no recatado berço do ditador, é uma casa assombrada.
Com um planeamento burlesco. A eira será restaurante e casa de chá.
É para o convívio, portanto. Escapa a parte que, supostamente, será
dedicada aos estudos. Mas que é inaceitável nesta localização. A
exposição consiste no estojo da barba, na mala de viagem,
condecorações e um punhado de manuscritos. Talvez o Teatro Nacional
D. Maria II possa recomendar o actor - que procura nos jornais para
representar Salazar - para um role-play intimista. Enfim...
cangalhada sem relevância científica. O espólio importante - tratado
já depois do 25 de Abril - encontra-se na Torre do Tombo. E o Estado
apenas deverá financiar o museu se este contribuir, de facto, para o
estudo do Estado Novo e não para a homenagem e revivalismo.
O objectivo alegado é o emprego e o turismo. Depois de morto é que o
déspota vai desenvolver o País e abri-lo ao turismo... arrebatando
com um excursionismo fetichista que oferece aos visitantes pincéis
da barba? O museu custa cinco milhões de euros, a um Executivo em
dificuldades. Além do já garantido emprego para um herdeiro do
ditador - 24 mil euros anuais vitalícios - não se vê que dinamismo
poderá trazer. Mesmo que existisse. A História e a memória não são,
certamente, menos importantes. Santa Comba não quererá a farda do
pide que assassinou Humberto Delgado?
O espectro de Salazar anda por aí. A RTP geriu atabalhoadamente o
concurso Os Grandes Portugueses quanto à sua nomeação e votação,
com consequências rançosas. O ensino da glória dos Descobrimentos
e a branca sobre a Guerra Colonial pouco diferem da História adestrada
pela ditadura. É assim, a nossa democracia. Não constrói valores e
motivos de identificação. Sobram medalhas e saudades. Tal aponta o
estudo do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.
Os portugueses são dos mais nacionalistas do mundo. À conta da
nostalgia. Mas não são patriotas. Não criticam o passado, não gostam
do presente nem disputam o futuro. Basta comparar o à-vontade com
que se lança este museu com as contrariedades para colocar uma
simples placa-testemunho dos presos e torturados na ex-sede da PIDE
para perceber que a nossa democracia ainda tem muito a fazer. Antes
que se torne num fantasma."

Joana Amaral Dias, Diário de Notícias

quinta-feira, março 08, 2007














Lembro as mulheres que lutam arduamente contra a pobreza e a violência, pela justiça, pela democracia e igualdade de género. Lembro as que lutam por uma sociedade em que o trabalho das mulheres, quer produtivo quer reprodutivo, seja devidamente reconhecido. Lembro as mulheres que lembram essas mulheres.

Pequena Cantiga à Mulher

Onde uma tem
O cetim
A outra tem a rudeza

Onde uma tem
A cantiga
A outra tem a firmeza

Tomba o cabelo
Nos ombros

O suor pela
Barriga

Onde uma tem
A riqueza
A outra tem
A fadiga

Tapa a nudez
Com as mãos

Procura o pão
Na gaveta

Onde uma tem
O vestígio
Tem a outra
A pele seca

Enquanto desliza
O fato
Pega a outra na
Enxada

Enquanto dorme
Na cama
A outra arranja-lhe
A casa

Maria Teresa Horta

quinta-feira, março 01, 2007



Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo.
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó principes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

Álvaro de Campos, Poema em Linha Reta